Dentre os vários filmes com que Stanley Kubrick famosamente envolveu-se, mas não conseguiu efetivamente colocar nas telonas, Napoleão foi, sem dúvida, o maior e mais ambicioso deles, com um vasto material de pesquisa e de pré-produção tendo sido disponibilizado em forma de livro muito anos depois para o deleite de cinéfilos. Foram necessárias várias décadas para que o militar francês transformado em Imperador chegasse aos cinemas novamente em uma obra de grande relevo e orçamento, desta vez por Ridley Scott que retorna ao período histórico abrangido por seu primeiro longa-metragem, o sensacional Os Duelistas. Devido à natureza complexa da produção cinematográfica, o ressurgimento de Napoleão nas telonas representa um marco significativo para o cinema e para os amantes da sétima arte, demonstrando a persistência e dedicação dos cineastas em trazer à vida projetos desafiadores.
Scott, como sempre constante em sua inconstância, elegeu trabalhar a figura histórica de Napoleão (Joaquim Phoenix) partir de seu amor – talvez obsessão – por sua primeira esposa, Josefina (Vanessa Kirby), em um filme que é ao mesmo tempo intimista e abrangente, detalhista e generalista, perdendo muito de sua força por não se decidir sobre o que quer ser e pelos aspectos levantados por meu colega Fernando Campos em sua crítica de 2023. Apenas para situar o leitor, eu, pessoalmente, não só concordo com a análise do Fernando, como daria a mesma avaliação para a versão que foi originalmente lançada nos cinemas, ou seja, 2,5 HALs e só reiteraria que não me importo absolutamente em nada com as imprecisões históricas, pois trata-se de uma obra de ficção com fundo – e apenas fundo – factual, pelo que não se pode cobrar mais do que lógica interna e a manutenção de elementos basilares do biografado.
Quase 10 meses após o lançamento inicial, finalmente foi liberada a tão esperada Versão do Diretor no Apple TV+, com 48 minutos adicionais. Vamos explorar essa nova versão de Ridley Scott e suas mudanças. Primeiramente, o corte original de Napoleão claramente parecia ter sido reduzido, afetando ritmo e montagem, com adições irrelevantes, como a visita do Tsar Alexandre à Josefina durante o exílio de Napoleão em Elba. Além disso, personagens importantes foram cortados abruptamente, como o irmão e a mãe do protagonista. Surpreendentemente, os 205 minutos da nova versão não resolvem esses problemas.
Aliás, se eu puder acrescentar algo, as sequências e personagens “perdidos” parecem ainda mais dispersos com a extensão do filme, o que me faz pensar que ou Scott, como Napoleão, simplesmente ignorou seus equívocos, ou ele considerou que as cenas e personagens, conforme utilizados, já contribuíram suficientemente para a obra.
Contudo, o que de fato foi alterado? Para além das novas sequências breves pontuadas aqui e ali, como a Batalha de Marengo, a chegada de Napoleão em Milão e, de forma surpreendente, a explícita referência de que o Imperador sofria de hemorroidas, o que Ridley Scott de fato se destina a fazer é desenvolver – ou aprofundar, se preferir – a narrativa sobre Josefina. Notavelmente, boa parte do acréscimo de tempo é dedicado à exploração da “origem”, por assim dizer, da futura Imperatriz, suas angústias, motivações e decisões.
Considerando que o filme se centra em uma história de amor, a decisão do cineasta de destacar a personagem faz sentido e, ao final, deixa o filme mais cativante nesse aspecto. Embora o corte original contenha as informações necessárias, o Cinema é predominantemente visual. A progressão da complexa Josefina, de esposa de nobre a mãe de família, até sua condição de prisioneira prestes a morrer e depois como prostituta, culminando em seu encontro e conexão com Napoleão, é melhor transmitida com mais tempo de exposição. Essa ampliação também permite ao espectador apreciar a incrível direção de fotografia de Dariusz Wolski.
Esse enfoque de quase duas horas – no total – nas várias fases de Josefina permitem que o trabalho de Vanessa Kirby desabroche por completo e cria, no conjunto total da obra ampliada uma conexão maior da vida militar de Napoleão com os altos e baixos de seu relacionamento com a esposa. Diria que um corte ainda mais longo, se ele existir, tenderia a beneficiar ainda mais o filme, adicionando profundidade à trama, porém, não tenho certeza se haveria melhoras significativas, já que, do corte do cinema para o corte do diretor, as melhorias não são realmente transformativas. Em outras palavras, suspeito que quem não gostou do longa nos cinemas, continuará desgostando igualmente dessa nova versão e quem gostou provavelmente não gostará muito mais (o efeito, aqui, está longe de ser o que foi facilmente sentido com a versão do diretor de Cruzada) ou em ainda outras só que bem mais breves palavras: continua sendo a mesma obra.
A minutagem também fez um grande favor ao contar a história do desastre da campanha napoleônica na Rússia. A estratégia de Terra Arrasada conduzida pelo exército do Tsar ganha destaque. Scott adiciona minutos extras a esta fase, criando uma atmosfera ainda mais fantasmagórica. Quando Napoleão finalmente chega a Moscou e é forçado a se retirar devido à severidade do inverno, o clima de terror se intensifica. O filme quase se torna uma experiência de terror, despertando em mim a vontade genuína de ver um longa inteiramente dedicado a esse episódio militar da vida do Imperador francês. A derrota retumbante ganha ainda mais força nesta narrativa, sendo, sem dúvidas, a melhor sequência de guerra apresentada no filme, ressoando de forma marcante até o desfecho da projeção.
Resumindo, em comparação entre as duas versões, eu sem dúvida fico com a versão alongada que Ridley Scott preparou. Além disso, como mencionei anteriormente, adoraria ver um “Corte Final” que fosse potencialmente ainda mais longo, contanto que algumas cenas fossem eliminadas, como as que destaquei no início desta crítica. Talvez o cineasta octogenário tenha tempo de revisitar sua talvez mais ambiciosa produção mais uma vez? Acredito que Napoleão – e até mesmo Stanley Kubrick – aprovariam essa ideia!
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