A curta, mas impactante carreira de Sergio Leone encontrou seu desfecho com Era Uma Vez na América, um épico tão desejado pelo diretor que o fez recusar a proposta da Paramount para dirigir O Poderoso Chefão. Desde os anos 70, Leone perseguia os direitos de adaptação de The Hoods, livro de Harry Grey que serviria como base para o longa. No entanto, diversos obstáculos atrasaram o início do projeto até 1982.
Após um hiato de nove anos como diretor, desde seu trabalho sem crédito em Trinity e Seus Companheiros, Leone ainda tentou trazer John Millius para assumir a direção. No entanto, devido aos compromissos de Millius com O Vento e o Leão e Apocalypse Now, Leone optou por dirigir o filme ele mesmo, investindo na criação da obra que tanto sonhou.
O resultado é um filme desafiador de assistir, mas incrivelmente fascinante para quem sabe o que esperar de Leone. Suas características estão presentes: sequências deliberadamente lentas, onde cada imagem comunica mais que palavras. A complexidade em Era Uma Vez na América surge da montagem não linear, que desconcerta durante os 40 minutos iniciais. O filme, centrado em Noodles, um gângster judeu em Nova York, alterna entre as décadas de 20, 30 e 60, criando uma narrativa fragmentada, mas magnetizante. A espetacular trilha sonora de Ennio Morricone, uma das mais marcantes de sua carreira, contribui para essa experiência audiovisual única.
Quando a narrativa explora a juventude de Noodles (vivido por Scott Schutzman Tiler), emerge seu subtexto mais potente: amizade e lealdade. Diferentemente de O Poderoso Chefão, com sua visão sobre o poder e a vida mafiosa, Era Uma Vez na América é, fundamentalmente, uma história sobre conexões humanas duradouras entre Noodles e Max (Rusty Jacobs na infância), em um cenário de ilegalidade e perda.
Sergio Leone constrói a trama como “filmes dentro de filmes”. A introdução desorienta com mistérios ainda não resolvidos; o núcleo central explora as origens da gangue de Noodles e seus amigos ainda jovens, enquanto o terceiro e quarto atos revelam as consequências de suas escolhas ao longo das décadas. Especialmente no final, Noodles, já envelhecido (Robert De Niro), lida com revelações devastadoras de forma contida, mas emocionalmente poderosa.
Outro elemento que enriquece a narrativa é a possibilidade de interpretação das sequências pós-década de 30 como uma alucinação induzida pelo ópio. Elementos de sonho permeiam esses momentos, como o retorno de Noodles a um local de sua juventude e certos encontros que desafiam a lógica. Essa camada adiciona um véu de tragédia enquanto revisita o passado sob um olhar subjetivo.
Com uma fotografia primorosa e locações autênticas, Leone captura a essência de Nova York e outros locais com rigoroso design de produção. No entanto, o filme não suaviza os aspectos mais sombrios, retratando ações moralmente condenáveis de Noodles, como um ato de violência contra Deborah, que testam a empatia do público pelo personagem. Esses momentos brutais fazem parte do mundo implacável que Leone constrói, mas podem incomodar alguns espectadores.
Infelizmente, nos cinemas dos Estados Unidos, um corte de mais de 90 minutos prejudicou gravemente a recepção inicial do filme, fragmentando a narrativa. Já a versão europeia, com 229 minutos, oferece uma experiência mais coesa, recuperando a profundidade da obra tal como Leone pretendia.
Era Uma Vez na América é uma obra-prima inquestionável. Sua complexidade, tragédia e beleza fazem dela uma experiência cinematográfica inesquecível, consolidando Leone como um dos grandes mestres da Sétima Arte.
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