Estava eu voltando da universidade mal aconchegado na janela de um 365 – vulgo Amarelão ou Circular II – e pensando nas coisas que a gente só pensa quando está na janela de um bus ou sentado na privada do banheiro de casa. Os pensamentos iam e vinham bem como os cheiros e sons dentro daquele ônibus lotado de gente lotada de gente e lutando para ser gente…
Pensava na vida e na morte, nos excessos e nas carências.
Pensava nos porquês da vida: porque, por que, porquê e por quê – nossa língua não é para amadores.
No meu celular estreava o disco “O milagre dos peixes”, do Milton Nascimento com a participação da divindade Naná Vasconcelos.
Álbum visceral, cheio de sonoplastia e de efeitos de mixagem, como o fato dos sons ficarem variando entre um fone e o outro, dando a sensação de que a música atravessa a cabeça. Ecos, gritos, queixas, assobios, gemidos… É uma mistura de contemplação com angústia e melancolia.
Cada faixa era – e ainda é – uma liga metálica conduzindo as infindas energias presentes na obra até a carne do meu espírito.
Então me veio a ideia de escrever, ainda dentro do ônibus, alguma coisa. Qualquer coisa que fosse, porém, imaginando o próprio Milton cantando e Naná musicando…
E deu nisso que agora compartilho com vocês.
PS: logo abaixo do texto está o link de uma música em especial desse álbum, “A chamada”. Recomendo ouvi-la enquanto estiver lendo.
“A gente morre o tempo todo
Enquanto tenta matar o tempo
A todo instante, todo momento
Quando percebe, já está morto
E todo dia, morre um sonho
Um sentimento, matam a fome
Morre a saudade no aperto
De um abraço
Morre o jovem no aperto de um gatilho
Vão-se os trens, ficam os trilhos
Todo dia é dia de morrer
A gente nasce o tempo todo
Enquanto tenta morrer pra sempre
A todo instante, todo momento
Quando percebe, nasceu
E todo dia, nasce um sonho
Um sentimento, nasce uma fome
Nasce a saudade na falta
De um abraço
Nasce o jovem no aperto do gatilho
Voltam os trens por outros trilhos
Todo dia é dia de nascer
A gente morre o tempo todo
Enquanto tenta nascer pra sempre
A todo instante, todo momento
Quando percebe, já morreu
E todo dia, nasce um sonho
Um sentimento, matam a fome
Nasce a saudade no aperto
De um abraço
Morre o jovem no aperto de um gatilho
Ficam-se os trens, se vão os trilhos
Toda morte é feita para nascer”
Todo mundo é assassino por conveniência, matando o tempo por sobrevivência.
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