Nas histórias de Walter Salles, a cada filme novo, os lugares ficam menores e mais próximos. Isso faz com que os personagens fiquem mais unidos e seus problemas se conectem melhor.
Em Terra Estrangeira (feito junto com Daniela Thomas), a história acontece em países diferentes. O filme fala sobre o que é ser estrangeiro – estar em um lugar que não é seu. Em Central do Brasil, um menino viaja de uma região para outra para encontrar seu pai. É como uma viagem de carro cheia de aventuras. Em Abril Despedaçado, toda a história acontece no mesmo lugar, onde duas famílias brigam há muito tempo.
Salles foi fazendo os espaços menores a cada filme, mas sempre manteve uma coisa importante: o tempo. O presente dos personagens é sempre influenciado por coisas que aconteceram no passado.
Como nos outros filmes, em Terra Estrangeira também há brigas entre pessoas de idades diferentes e famílias que se reencontram. Manuela tem um sonho: voltar para San Sebastián, na Espanha, onde seus pais nasceram e onde ela passou a infância. Ela guardou dinheiro na poupança para fazer essa viagem. Seu filho Paco não se anima muito com a ideia, porque não conhece aquele lugar.
O filme começa em São Paulo durante o governo Collor. Vemos imagens da cidade grande e suas ruas movimentadas. Depois, uma reportagem na TV fala sobre o famoso confisco do dinheiro das poupanças. A câmera foca na tela da TV, que está meio fora do ar, mostrando como aquela notícia era real e triste.
Por causa desse choque, a pobre Manuela acaba morrendo. Seu filho, muito triste com a morte da mãe, herda o sonho dela e se sente obrigado a conhecer San Sebastián. Antes de tudo isso acontecer, Salles e Daniela mostram Paco falando sozinho de forma poética. Essas cenas vão fazer sentido mais tarde na história.
Terra Estrangeira é como dois filmes em um. Isso acontece porque mistura tipos diferentes de história e tem várias tramas que se encontram. No começo, conhecemos outro casal parecido com Manuela e Paco: Alex e Miguel. Eles moram em Portugal e têm um relacionamento complicado. Alex quer muito voltar ao Brasil, mas Miguel não deixa. Para completar as semelhanças, Miguel também morre de repente.
Existe um traficante chamado Igor que conecta as duas histórias. É através dele que os personagens se encontram.
A partir da presença de Igor, o filme muda completamente. Depois de começar como um drama triste, Terra Estrangeira vira também um filme de ação, com perseguições, crimes, tiros e perigos. Poucos filmes conseguem misturar ação e drama de forma tão natural. O resultado é uma experiência que emociona e excita ao mesmo tempo.
Alex quer voltar ao Brasil por causa de sua vida difícil. Paco quer sair do Brasil e ir para a Espanha por causa do sonho de sua mãe. Os dois são estrangeiros onde vivem, seja por motivos geográficos ou emocionais. As fronteiras entre países se tornam uma questão de sentimentos numa busca espiritual.
Portugal se torna um labirinto cheio de estrangeiros, criminosos e ruas de pedra. A espiritualidade do casal não vem apenas com tristeza, mas também com caos, criando um limite entre vida e morte.
Filmado em preto e branco, o visual do filme mostra perfeitamente toda a melancolia da história. As tristezas dos personagens ganham um tom trágico, mas também momentos de calma. A forma como a fotografia brinca com claro e escuro é linda de ver. Algumas cenas são bem claras, outras bem escuras.
A cena onde Alex se despedida de Paco no deserto é muito bonita. A câmera mostra os dois longe um do outro. Numa cena escura e tensa, os dois fogem para San Sebastián de carro numa noite de chuva. A filmagem usa ângulos diferentes e giros de 360°.
Português é a língua principal deste filme sobre lugares. Há vozes de brasileiros, portugueses e angolanos falando a mesma língua, mas mesmo assim eles não se entendem bem. A língua mostra a distância entre esses personagens.
Loli, o único personagem angolano que fala, traz humor ao filme. Seu sotaque diferente se encaixa perfeitamente no seu jeito malandro. Ele aparece quando Paco chega em Portugal, do mesmo jeito que Igor também surge de repente para oferecer trabalho ao jovem.
As confusões fluem naturalmente neste pesadelo que encontra alívio quando Paco e Alex se conhecem. É o encontro de duas almas perdidas que, na falta de um lugar para chamar de lar, fazem dessa perda o rumo de suas vidas.
Terra Estrangeira – Brasil e Portugal, 1996
Direção: Walter Salles, Daniela Thomas
Roteiro: Marcos Bernstein, Millor Fernandes, Walter Salles, Daniela Thomas
Elenco: Fernanda Torres, Fernando Alves Pinto, Alexandre Borges, Luís Melo, Laura Cardoso, Tchéky Karyo, Alberto Alexandre, Canto e Castro, António Cara D’Anjo, Filipe Ferrer, João Grosso, Miguel Guilherme, Miguel Hurst, João Lagarto, Zeka Laplaine
Duração: 110 minutos.
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